domingo, 19 de novembro de 2017

A Canção do Destino e outras canções e poemas no palco

Troféus do Femup, carinhosamente apelidados de "barrigudas"
Hoje escrevo da cidade de Paranavaí PR, onde a convite da Fundação Cultural participo do Festival de Música e Poesia (Femup), evento com mais de cinquenta anos de história. Em duas noites, sobem ao palco do belo Teatro Municipal, intérpretes de várias partes do país e declamadores(as) locais, apresentando alternadamente canções e poemas. Como se fosse pouco, o evento ainda inclui saraus, um festival para crianças (o Femupinho) e o 49o. Concurso de Contos, para o qual enviei "A Canção do Destino", que teve neste sábado, junto com os demais, uma leitura dramática, seguida de bate-papo, na Biblioteca Pública do Município.

É a primeira vez que tenho um conto publicado em livro. Anteriormente, apenas "Malas que vem de trem" foi publicado na extinta revista (virtual) Bestiário, isto há mais de uma década (hoje a página foi desativada). De fato, trata-se de um gênero a que tenho me dedicado pouco, mas limpando as gavetas talvez dê para fazer um livrinho. Também enviei um poema para o Femup, mas não foi selecionado. Talvez eu deva dar mais atenção aos contos, de ora em diante. Por isso, vou abrir uma exceção neste blog - até então exclusivo para divulgar meus poemas -  compartilhando o link para a Antologia do Festival, onde à página 46 vocês poderão ler "A Canção do Destino".
Quem preferir pode ouvir o conto, nas vozes das mesmas cinco moças que realizaram a leitura dramática, que formam o GT de Artes Cênicas.


quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Lições do mestre Armindo Trevisan aos 50 anos de poesia

Meu exemplar do primeiro livro de Trevisan,
resgatado de um baú de saldos da Feira do Livro.
Não faz muito eu lembrava aqui dos 25 anos do meu primeiro livro, Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito. Mas ficou faltando uma parte importante da história.

Na ocasião, o troféu atribuído pelo Prêmio UFRGS de Literatura (que tive de brigar pra receber) levou o nome do poeta e professor Armindo Trevisan. Coube ao Juremir Machado da Silva, em sua coluna no Correio do Povo, lembrar que o Trevisan está completando 50 anos de carreira, iniciada em 1967 com a publicação de A Surpresa de Ser. Livro que, por sua vez, foi contemplado com o prêmio Gonçalves Dias, da União Brasileira de Escritores, tendo como jurados nada menos que Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cassiano Ricardo. Logo, concluí, utilizando meus conhecimentos matemáticos, quando da minha estreia em livro Trevisan completava 25 anos da sua.

Mas não sendo este um blog de numerologia, vamos adiante. Quis o destino que não nos conhecêssemos naquele momento. Ele não pode vir ao meu lançamento, por se encontrar em viagem, fora do país. Isso só veio a acontecer cinco anos mais tarde, quando me matriculei no curso de extensão que ele ministrou na PUC-RS, A Poesia como Conhecimento e Experiência. Naquele momento, eu preparava meu terceiro livro, para submetê-los ao Instituto Estadual do Livro, que viria a publicá-lo no ano seguinte, sob o título de Dança das Palavras. Trevisan generosamente leu os originais, fazendo críticas muito bem-vindas. Sem contar o curso em si mesmo, em que tratava, com entusiasmo contagiante, de conteúdos de ordem prática sobre poesia (que não se encontravam no Mestrado em Letras, que eu cursava na época), muito úteis.

Talvez a mais importante das lições aprendidas naqueles dias, e incorporada ao que escrevi deste então, foi a de ler os poemas em voz alta. Até então, eu pensava o metro e a rima dos versos muito visualmente. Tímido, nunca fui afeito à declamação. Mas desde então, o ritmo passou a ter uma importância cada vez maior até hoje, quando muitas vezes é o ritmo de uma frase qualquer que me chama a atenção e, ao ser anotado, transforma-se no primeiro verso de alguma coisa que ainda não sei o que será.

Para homenagear o mestre, vai aqui um singelo poema escrito naqueles dias, como um exercício  proposto por ele. O último verso, de Fernando Pessoa, é tomado como tema do poema, que foi selecionado para uma antologia no concurso Via Verso, da Prefeitura de Ourinhos SP, ainda naquele ano; e incluído depois em Dança das Palavras.

GLOSANDO PESSOA 

Mal percebo o sentimento
Mais adorável do mundo,
E ele se vai, após curto
E belo espaço de tempo.

E eis que me concentro tanto
No breve instante perdido,
Que finalmente me canso,
E cansado então desisto.

Bem depois, quando nem penso
Em coisa nenhuma, sinto
Tornar, pleno, o momento:
Sentir é estar distraído.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

25 anos de poemas nos ônibus e uma cidadezinha

Moacyr Scliar escreveu a orelha do livro.
Neste ano de 2017 Porto Alegre comemora (ou devia estar comemorando) 25 anos de um projeto extremamente bem sucedido de difusão da literatura. Trata-se dos Poemas nos Ônibus, concurso que a Secretaria Municipal da Cultura promoveu pela primeira vez em 1992, selecionando 16 poemas que passaram todo o ano seguinte passeando de ônibus, impressos em adesivos colados em suas janelas.
Dez anos mais tarde (quando foi lançado o livro comemorativo, cuja capa reproduzo aqui), já seriam 53 os selecionados, dentre mais de 5 mil poemas inscritos. Posteriormente, foi ampliado para os trens, numa parceria com a Trensurb.

Conforme publiquei aqui antes, tive dois poemas selecionados na segunda edição do concurso (1993-1994). Mas em 1997, um poema do meu segundo livro O Primeiro Anel foi selecionado para participar como convidado. Ei-lo aí embaixo, com pequenas alterações que fiz posteriormente.

A inspiração do poema vem da cidadezinha de Esmeralda, nos chamados Campos de Cima da Serra do RS, onde vivi entre 1986 e 1989. Mas o vento nos eucaliptos é um fenômeno típico de nosso litoral, e foi mais precisamente em Tramandaí que eu prestei atenção nele.

Neste ano de 2017, pela primeira vez desde sua criação, o concurso Poemas nos ônibus não aconteceu.

CIDADEZINHAS

Mosaicos de verde e telhados imóveis.
O vento anima a dança dos eucaliptos.
A chuva faz tudo parecer de vidro.
O sol espanta o povo e empresta vida
às pedras do calçamento

À noite, o som dos bichos acende
medos, desejos e lâmpadas fluorescentes.
O tempo faz crescerem e leva embora
as crianças. E os homens todos procuram 
lugar certo de plantarem uma outra
cidadezinha.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Um dia para pensar em quem não tem infância

Imagem do documentário Os Carvoeiros, de Nigel Noble (1999)
Para esse dia das crianças, deixo um recado nada festivo, mas oportuno e necessário.

Nos anos 1990, visitei no campus central da UFRGS uma exposição itinerante dedicada ao trabalho infantil, e fiquei chocado com as imagens que vi. Pensei então numa série de poemas que tratasse deste assunto. A forma de inocentes cantigas de roda serve de contraste à crueldade a que estão submetidas tantas crianças, situação ainda comum no Brasil e pelo mundo afora, como os noticiários nos lembram frequentemente.

O tríptico (conjunto de três poemas) que resultou dessa ideia foi premiado (terceiro lugar) no Concurso Mário Quintana do Instituto de Letras da UFRGS, em 1997.  Entre todos meus poemas, é provavelmente o mais publicado (em papel, ao menos). Além de figurar no meu segundo livro Dança das Palavras, publicado pelo Instituto Estadual do Livro em 1998; e no mais recente Luta+Vã (Libretos, 2012)), integrou duas coletâneas de poetas gaúchos: a primeira no número 9 da extinta revista Continente Sul-Sur, também do IEL, e a segunda publicada pela Assembleia Legislativa do RS, com organização do Dilan Camargo.


CANTIGAS DE RODA TÍPICAS DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS 

I.

Atirei um pau no mato
O mato me devolveu
Menino não fez carvão
Foi de noite, não comeu

Menino que tosse, tosse
Menino, deixa eu sonhar
Sonhar só posso de noite
(Será fumaça ou luar?)

Eu sonhei que no cerrado
Eucalipto tinha não
Dia e noite só chovia
Molhava todo o carvão

(Lamento estragar o seu churrasco...)

II.

A foice cortou meu dedo,
e o sangue não era doce.
Tive medo,
ou bem melhor: desespero.
Também tive fome, e raiva.
Muita raiva.

Mas fiquei cortando a cana
até completar a cota
desse dia.
Até que o céu se tingisse
igual à cor de meu sangue
derramado.

Acho que eu queria mesmo
tingir o açúcar, tão branco,
de vermelho.
Açúcar que eu nunca vejo,
que recheia açucareiros,
há mais de trezentos anos.

(Quantos dedos, mãos e braços
de quantos meninos mortos,
em branco açúcar tornados,
já terão alimentado
engenho, fábrica, usina;
finas taças adoçado

com seu sangue?

III.

Primeiro foi meu pai,
segundo meu irmão,
terceiro já não lembro.
A mãe não falou nada:
se falasse, apanhava.
Depois, fugi de casa,
para não virar escrava.

— Ó prostitutazinha,
vamos brincar de amor?
— Brincar não sei que é,
não senhor.

Só sei que, de repente,
estava na avenida,
alugando meu ventre
só pra estrangeiro rico.
(Um ’té me deu presente:
queria me adotar,
levar junto com ele.)

— Ó prostitutazinha,
vamos brincar de amor?
— Amor não sei que é,
não senhor.

sábado, 23 de setembro de 2017

Um quarto de século e um troféu barato

A edição do livro foi resultado do concurso realizado no ano
anterior.
Nesses meses em que o blog deu uma pausa, pelo menos uma data marcante acabou passando em branco: os 25 anos do lançamento do meu primeiro livro, Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito, pela Editora da UFRGS. Ano passado eu já tinha evocado este dia - 11 de junho de 1992 - numa postagem, onde você pode ver a capa do livro.

O famigerado troféu

O troféu, reproduzido ao lado, foi objeto de uma polêmica desagradável e meio risível. Como constasse no regulamento do prêmio, e já tinham se passado alguns meses sem notícia dele, escrevi uma carta nada diplomática ao então Pró-Reitor de Extensão da UFRGS, cobrando. Em resposta, ele me chamou ao seu gabinete, onde revelou-se indignado com a cobrança. Não guardei cópia da carta, logo é difícil dizer em que medida os termos da carta possam lhe dar razão, mas é claro que não tive a intenção de ofendê-lo pessoalmente (eu sequer o conhecia). Era um problema institucional. Segundo me explicou, a confecção do troféu era responsabilidade do Instituto de Artes, que deveria ter promovido seu próprio concurso para escolhê-lo, o que não aconteceu por algum motivo. Não era culpa dele, e nem problema meu. A "solução" que encontrou, para eu parar de lhe encher o saco, foi mandar fazer essa coisinha aí na loja da esquina. O que para mim pouco importa, e guardo com muito orgulho, evidentemente.

Segue um dos poemas que estão lá, meu primeiríssimo soneto.


Soneto I

Uma desgraça espreita no meu dia, e morde
as pontas de meus dedos, entre os lençóis brancos:
saudades de um tempo de humor e de arrancos,
que some na poeira, atrás de um velho Ford.

Lá se foram, dias da feliz ignorância
que embebe as flechas da ironia juvenil:
do mundo adulto me contemplam mais de mil
olhos frios, que receio, mesmo à distância.

Crescer, tento explicar a mim mesmo, é esquecer de
tudo que já fui, ainda que somente em bruma:
pintar-me de cinza, para ocultar o verde

rosto que da infância trago, sem ruga alguma,
(quem sabe, logo, um filho nascerá que o herde)
e decretar-me o início da velhice, em suma.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Independência ou morte?

[Já lá se foram quatro meses sem poema novo nesse blog. E como parecia facilmente alcançável, quando iniciei, a meta de publicar um poema por semana...]

Para quem, como eu, aprendeu o significado de pátria num tempo em que ela não era democrática (ou, radicalizando um pouco, quando era ainda menos democrática que hoje), pode ser difícil separá-la daquela sensação de ser um pato, que começa a se instalar quando você vai ficando adulto e entendendo melhor o significado daquelas horas cívicas, daqueles desfiles escolares, daquelas bandeirinhas agitadas para homenagear ditadores e recepcionar autoridades não eleitas. É no que eu costumo pensar, em dias como hoje.

Pois tava eu aqui, então, nesse feriado, tentando terminar uns poemas rascunhados, passando outros a limpo, e eis que me sai isso, bem a propósito desse momento difícil, confuso, por vezes deprimente. Um inédito, portanto, para compensar os leitores por esses meses de silêncio. E uma pitada de ironia, pra segurar o rojão.

Soneto XXXV


Com a obra da tua vida, teu esforço,
tua casa, teu jardim, tua expertise,
apenas arranhaste a superfície
sob a qual trafegam rios de esgoto.

Tua interpretação de Wittgenstein
até que vende bem, como auto-ajuda.
Com frequência, a memória te trai,
em meio àquele poema de Neruda.

Foram ficando pra trás, as vanguardas;
a coisa não andou mais que um milímetro,
e mesmo assim - em que sentido?

Retroceder, jamais? Hacia adelante?
Seguir o rumo de um bom restaurante?
Teu GPS pede as coordenadas.

domingo, 7 de maio de 2017

Belchior e eu

Apenas um rapaz latino-americano que trabalhava num banco, sem parentes
importantes, vindo do (e voltando sempre que possível para o) interior.
(Foto da Vera Zagonel)
É difícil não pensar que o fato do Belchior ter escolhido ou sido levado por algum motivo a viver, se esconder (?) e finalmente morrer em Santa Cruz do Sul possa ter algum significado, mesmo que eu não faça ideia de qual seja. De certa forma, trata-se de um mistério similar ao fato de eu e muitos de meus(minhas) amigos(as), nascidos a poucos quilômetros dali, naquelas colônias alemãs tão distantes do Ceará em qualquer sentido, termos gostado tanto de suas canções. É fato que elas foram marcantes pra mim num momento em que começava a descobrir/inventar o desejo/necessidade de compor/escrever.

É pena eu não ter nenhuma história para contar, muito menos alguma foto de eventual encontro com ele por aqui. De fato, eu nunca cheguei a assistir a um seu show. Em vez disso, publico uma de minhas primeiríssimas canções, imitação descarada dele. Foi escrita por volta dos meus dezoito anos (portanto, sejam caridosos na crítica àquele jovem dos anos 1980), sobre uma harmonia franciscana, ainda mais simples do que a maioria das suas canções.

Confesso que chegava a imitar a voz rouca do ídolo, nas raras vezes em que tive coragem de cantá-la para alguém. (O que, obviamente, eu fazia também com as canções dele - como Mucuripe ou Galos, Noites e Quintais - parte essencial do meu repertório, como sabem os que testemunharam aqueles idos tempos em que me ensaiava como cantor de bar.)

não quero contar o que passei
vida é daqui prá frente
dizer quem sou é difícil
cabeça tão confusa
ciência não se entende com paixão
pernas cansadas do chão
eu que andei tão pouco

meu chapéu é o sol
o vento meu pente
quem me acha diferente
é sempre igual
posso até ser complicado
mas me entendo muito bem

sou maior e vacinado
reservista de terceira
sinais particulares só tenho calos
em quatro dedos da mão esquerda
de tocar violão
e a garganta irritada
com o ar desta cidade

olhos abertos vermelhos
acendo um cigarro e me mando
a vida me espera onde vou
quero ver o pôr-do-sol
noutro lugar

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Dez anos de uma aposta

A saudosa Palavraria
Dia 10 de abril de 2007, há exatos dez anos, eu lançava meu quarto livro de poesia, que ocupa até hoje uma posição única dentro da minha produção, por duas razões.

Em primeiro lugar, o texto não era uma seleção de poemas avulsos, sobre temas diversos, aquilo que se convencionou chamar de "lírica", como o que eu publicara antes e sigo escrevendo até hoje. Em vez disso, eu tinha enfrentado o desafio de escrever uma peça de teatro à moda clássica, inteiramente em versos. Era a coisa mais fora de moda possível, custo-me anos de trabalho, mas também de diversão, e fiquei bem satisfeito com o resultado. Verdade que faltou alguém se interessar em levá-la aos palcos, mas ainda não perdi a esperança.

A lista de friends que me deram um help se completa com Cândida Santi (E) e
Sandra Alencar (D), que encenaram um trecho da peça
durante a Feira do Livro.
A segunda peculiaridade foi o processo produtivo do livro. Diferentemente dos três primeiros, todos publicados às custas do contribuinte (federal, estadual e municipal), em que minha participação resumiu-se a revisar as provas e dar algum pitaco na capa, eu tinha decidido produzir este de forma totalmente independente, o que resultou numa experiência interessante (embora com seus perrengues, como é fácil imaginar). O que não quer dizer que tenha me faltado "a little help from my friends" Márcia Lange, que me deu uma pequena e linda aquarela na forma de cartão de aniversário, há muitos anos; Zeca Oliveira, que a transformou numa bela capa; minha prima Eroni Schercher, que fez a ficha catalográfica; Charles Kiefer, que escreveu a apresentação do livro; Armindo Trevisan, de quem reproduzi, ao final, um pequeno ensaio sobre meus livros anteriores e Luiz Paulo Vasconcellos, que escreveu uma resenha muito lisonjeira, na saudosa revista Aplauso.

A obra foi inspirada na leitura de O Nascimento da Tragédia, de Nietzsche (mas curiosamente, virou uma comédia) Reproduzo aqui o início da primeira cena, em que são apresentados os protagonistas - os deuses do título, os irmãos gêmeos Apolo e Dionísio. Só para dar um gostinho, pois para entender precisa ler o livro todo, é claro (encomendas com o autor).

DIONÍSIO: - Ó ressaca miserável,
ó horrendo amanhecer!
Anjo da guarda, onde andaste,
que embriagar-me deixaste
até a razão perder?

APOLO: - Onde ele andava não sei,
já que anjos, não os temos
nós, aqui no Monte Olimpo. (para a platéia) 
Isto só muito mais tarde
é que vai ser inventado. (para Dionísio)
Resta saber onde andaste
tu, meu irmão preferido. 

DIONÍSIO: - Eis uma boa pergunta,
difícil de contestar
Até onde eu me recordo,
pela décima-segunda
taça de vinho me achava
entre os mortais, numa festa.
Soava uma estranha música,
semelhante a um bate-estacas
usado pra edificar
essas construções modernas.

APOLO: - Sei. Pareciam felizes
todos que lá se encontravam,
e agora estão de ressaca,
a mesma em que te achas tu.
Num caso assim os mortais
têm um ditado que cai
como uma luva em sua mão:
“O ébrio não é dono do seu c...”


segunda-feira, 3 de abril de 2017

O poema perdido

Até que eu estava em boa companhia, não foi?
Hoje vou abrir uma exceção e publicar aqui, não um poema, mas um não-poema. Explico.

Esse aí é o documento mais antigo do meu currículo. Eu o recebi juntamente com um cheque no valor de Cr$ 5 mil. Seja lá o que isso signifique em dinheiro de hoje, era um bocado para um guri de 16 anos, terminando o Auxiliar de Escritório. Foi o primeiro concurso literário em que me inscrevi. Enviei um poema que havia rabiscado numa das folhas brancas ao final de um livro de matemática.

O curioso, e ao mesmo tempo lamentável, é que o livro, de encadernação vagabunda, foi se desfazendo com o tempo. E o gênio aqui, ocupado com sua alta inspiração poética e, claro, não dando maior importância ao assunto, não se lembrou de fazer uma cópia do original datilografado que enviou pelo correio (Vai ver faltou papel carbono). Não me consta que o concurso tenha editado um livro com as obras premiadas. Tampouco fui à solenidade prevista (se de fato aconteceu). Em consequência, não me restou do poema mais que o título. Que remete vagamente ao programa Fantástico, onipresente nos lares brasileiros da época, e não muito animador como indício de originalidade, vá lá, no século XXI.

Quem sabe um dia - não perdi a esperança - eu o reencontro, numa visita à Biblioteca de Ijuí.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Rondeau n. 1 - uma experiência visual

Lá pelo início dos anos 1990, eu terminava de escrever os poemas que viriam a compor meu primeiro livro, Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito (que saiu em 1992). Minhas tentativas de escrita poética seguiam no rumo de uma crescente complexificação formal, intensificando o uso de rimas e assonâncias. O poema que apresento hoje marca o que considero o auge dessa experimentação, e ao mesmo tempo a chegada numa espécie de beco sem saída, já que depois de escrevê-lo ficou claro que eu tinha de buscar outros caminhos. (Vejam que as rimas não se encontram apenas no final dos versos, mas em qualquer ponto deles. Além disso, extrapolam o limite das estrofes, isto é, retornam ao longo do poema nas estrofes seguintes. São recursos pouco comuns) Agora, graças ao auxílio luxuoso do Marcel Goulart (que sabe escrever outro tipo de "versos", sobre os quais sou ignorante: aqueles que os computadores lêem), vocês poderão perceber as múltiplas correspondências sonoras entre os versos (inclusive de diferentes estrofes), com um simples movimento do mouse. Bom proveito.
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    pirraça
  • dos
    sinos
    loucos
    que
    soam
  • em
    teus
    abismos
    -
    aqueles
  • que
    o
    poeta
    canta?
    Onde,
    eles?
  • Em
    vão
    procuras...
    Não
    vês?
  • São
    teus
    demônios
    que
    crescem,
  • enquanto
    desce
    a
    mais
    escura
  • noite,
    nos
    abismos
    do
    poeta.
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    desgraça
  • que
    uns
    poucos
    relógios
    amontoam
  • sob
    os
    véus
    que
    ainda
    temos,
  • mesmo
    quando
    os
    escondemos
  • para
    em
    vão
    detê-los?...
    Não
    crês?
  • São
    teus
    hormônios
    que
    procuram
  • a
    mais
    pura
    forma
    de
    fazê-lo,
  • à
    noite.
    Ainda
    não
    esta...
    -
    Mas
    quando?!
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    couraça,
  • para
    que
    roucos
    gemidos
    não
    doam
  • mais
    em
    Deus,
    ou
    em
    nós,
    tolos?
  • Se
    não
    na
    vida
    consolos,
  • e
    em
    vão
    tentamos
    ser
    fortes,
    não
    dês
  • atenção
    a
    teus
    neurônios
    cansados:
  • mais
    ousado
    é
    encontrar
    a
    morte
  • à
    noite,
    a
    sós,
    numa
    bala
    perdida.
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    trapaça,
  • e
    a
    noite
    mais
    do
    que...
    fumaça?

domingo, 12 de março de 2017

Chega, Outono

Há cerca de um mês, ao voltar de férias, soube que meu local de trabalho ia mudar. E graças ao acaso, ao destino ou simplesmente às idas e vindas da nossa política, acabei não apenas no subsolo de uma biblioteca - eu, que devo tanto às bibliotecas - mas também no local onde funcionava a Coordenação do Livro e Literatura, onde pela primeira vez tomei contato com as políticas culturais da SMC (e as pessoas que as faziam acontecer), ainda cerca de um ano antes de eu mesmo me tornar parte desta instituição.

Foi lá que foi gestado, dentro de uma falecida coleção chamada Petit PoA, meu segundo livro, O Primeiro Anel (1996), já conhecido dos leitores deste blog. E que contém o poeminha sem título que segue, pensado num dia chuvoso como o de hoje, com vagas saudades do verão, numa parada de ônibus. (Aos leitores de fora do RS, é preciso esclarecer que Cidreira é uma praia.)

Um dia de outono escuro e molhado,
enchentes em todo interior do estado.
No abrigo-ilha, em ansiosa espera 
pelo ônibus, a gente se aglomera.

— Lá vem ele! - E posso ouvir com clareza
o suspiro, inundado de tristeza,
único som na multidão inteira...
É que este ônibus vai para Cidreira.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O Noturno de Olinda na Jangada

O poema de hoje, "Noturno de Olinda", até então inédito, foi selecionado para publicação na Revista Jangada: Crítica, Literatura e Artepublicação on-line de periodicidade semestral, editada pela Clock-t Edições e Artes e pelos professores do Departamento de Português e Espanhol da Universidade de Illinois, campus Urbana-Champaign, juntamente com um corpo de pesquisadores, artistas e escritores de diversas instituições de ensino públicas e privadas e organizações não-governamentais.
A última edição da revista, disponibilizada hoje, tem como tema "Poder, opressão e silenciamento". Clique aqui para ler o poema.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Um Poema de Ano Novo

E para esse ano novo, em que vamos entrando e nos aquerenciando assim, meio desconfiados, teria de ser naturalmente um poema também novo, quase um recém-nascido...

Poema de Ano Novo


Quem nunca viu uma criança
que acaba de aprender a andar
e avista o mar, e ao mar se lança?

E vem correndo, a despencar,
aos trancos, sem nenhum cuidado,
buscando o mar, buscando o mar.

Assim, suponho, eu deveria
precipitar-me rumo ao novo,
sem medo, com ar de maravilha.

(Penso cá comigo, entretanto:
alguém tem que impedir que a pobre
acabe por descuido se afogando.)