domingo, 31 de dezembro de 2023

Um poema de ano novo... ou algo assim


A julgar pelo abandono em que se encontra este blog, ninguém diria quão intenso foi o ano do seu autor. Teve lançamento de livro novo e um inédito patronato da feira do livro de Lajeado, que me deram muitas alegrias. Tem outro livro a caminho, já revisado e prestes a ir para a impressão; e um terceiro bem adiantado na escrita, que deve sair em 2025.

Mas para não ficar o ano inteiro de 2023 sem postar nada, deixo aqui de última hora essa mensagem (?) de ano novo, escrita nos primeiros dias de 2022 e que está em Os Tons de Tudo. É sobre a necessidade que temos de olhar para trás e fazer balanços, para podermos melhorar nos anos que vem pela frente.

Um ótimo 2024 a tod@s.



Soneto 44 (Do ano novo)


Enquanto eu tomo o resto do espumante

(bebida adocicada que em geral

refugo e só nas festas de Natal

e Réveillon tolero, consoante

 

é tradição no mundo ocidental),

dedico-me a escrever uma mensagem

que, em vez de desejar felicidades

no ano que inicia a quem lerá,

 

nos anteriores fixa sua lente

­­(nos mais remotos e nos mais recentes),

em busca de um balanço, sempre mais

inútil quanto mais pareça urgente.

 

De resto, é tradição também das gentes

fazer balanços; e escrever, meu mal.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Porto Alegre, 250


... e às vésperas de terminar 2022, nessa semana entre o Natal e o Ano Novo, em que o tempo parece suspenso, depois de muitas homenagens prestadas à cidade que completou seus 250 anos, calhou de eu finalizar agorinha um poema iniciado justamente na data festiva, 26 de março. Há 9 meses, portanto. Eis o recém-nascido:

I.

Nunca pude imaginar

o instante em que esta cidade

terá brotado de um ventre

suficientemente grande.

 

Antes a vejo incompleta,

construindo e destruindo

a si mesma, em sucessivas

ondas de modismos fúteis.

 

A joia arquitetônica de ontem,                    

convertida em obstáculo ao progresso,       

é condenada a desaparecer.                      

 

II.

Mesmo assim, sem muita fé,

tentei fazer minha parte

pra marcar a efeméride.

 

Cevei um mate,

cuidei dos gatos

e passarinhos

do meu amigo.

 

Depois do almoço,

subi ladeiras

e olhei as casas

dos milionários

e miseráveis.

 

Na sinaleira,

desviei o olhar

dos malabares

e mandolates.


III. 

Pelo rádio, ouvi as vozes de sempre,

com seus intermináveis comentários,

entre anúncios dos donos da cidade.

 

Estive conferindo a nova orla

- aquela que só mesmo o Jaime Lerner

seria capaz de ter desenhado.

 

Notei que o Minuano também veio

encrespar o Guaíba, mas de leve,

como quem sabe que é dia de festa.

 

IV.

Não importa que eu fique ou vá embora:

permanecerei.

 

Devia haver, contudo,

(não sei se é o melhor nome)

um pós-aniversário,

pra podermos pensar

sobre o que, afinal,

comemoramos. 


(Poema editado em 28/12/2022)

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Do Brasil de 2022, um poema para Walter Benjamin

 Recebo com alegria a notícia de que mais um poema meu foi selecionado para publicação em antologia. Desta vez, trata-se do concurso promovido pelo Programa de Educação Tutorial em Letras da Universidade Federal de Alfenas MG (Unifal). Na presente edição, o concurso teve mais de 400 poemas inscritos.

Como de costume, publico aqui o poema (numa versão ligeiramente modificada em relação à que enviei para o concurso, em abril) e comento sua gênese atípica. Ele nasceu a partir de anotações feitas durante o 1º Congresso Internacional Walter Benjamin: Barbárie e memória ética, realizado na PUC-RS em setembro de 2018. Embora eu só tenha retomado essas notas com o propósito de transformá-las em poema mais de um ano depois de assistir à palestra da professora Alexia Bretas (UFABC), cheguei a aproveitar expressões e imagens utilizadas por ela. Menos do que configuraria um plágio, espero; porém mais do que apenas uma inspiração, e suficiente em todo o caso para registrar o fato e agradecer a ela (que não conheço pessoalmente).

Embora o tema desta edição do concurso fosse "lembranças" - o passado, portanto - o leitor informado irá perceber que o momento da publicação faz o poema soar terrivelmente atual. 

O título é uma expressão latina, cujo significado você pode pesquisar no Google. 


Memento mori 

Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. (W. Benjamin, 1940)

Ao Sul do Sul, virou rotina

a desgraça: há sempre o luto

e os que sequer são dele dignos.


Há sempre um cadáver em cena:

casas de osso, carne, nervos;

corpos de pedra, cal e telhas.


Na história interrompida,

já não sabemos lembrar,

nem podemos esquecer.


(Ouvi dizer que os Ianomâmi

nos chamam, apropriadamente,

“povo do esquecimento”.)


Se o inimigo vencer,

vai reescrever o passado

e nem os mortos estarão a salvo.


Seu plano é plantar desertos,

estéreis de coisas e ideias

o solo assim como as mentes.


Mas os vivos, estes podem

                ainda escolher.



O livro completo com os 202 poemas selecionados pelo concurso pode ser lido aqui.

Na ilustração, obra do genial pintor Hyeronimus Bosch (século XVI)


terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Poema "Preso-Livre" premiado em concurso nacional

O Poema "Preso-Livre", escrito por Álvaro Santi em 2020 durante a quarentena e que já havia sido finalista do Festipoema de Pindamonhangaba (leia o poema neste link), foi classificado em terceiro lugar no Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes - VI Edição.
Em 2018, o autor teve seu poema "Manguezal" agraciado com menção honrosa no mesmo concurso.
Realizado pelo Sindi Clube em parceria literária com a FENACLUBES e APL - Academia Paulista de Letras, o prêmio tem o objetivo de promover e incentivar a literatura nas agremiações de todo o Brasil.
Nesta edição, 40 clubes de 18 cidades participaram inscrevendo 31 poesias, 35 crônicas e 48 contos. Um total de 114 obras foram avaliadas pela comissão julgadora, composta por Joaquim Maria Botelho – membro da UBE – União Brasileira de Escritores (relator); Mafra Carbonieri – membro da Academia Paulista de Letras e Marcelo Nocelli – escritor e editor.
A premiação, no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), R$ 1.000,00 (um mil reais) e R$ 500,00 (quinhentos reais), respectivamente, é entregue ao primeiro, o segundo e o terceiro colocados de cada categoria.
A comissão julgadora relatou que a temática das obras da 6ª edição apresentou um traço comum: uma tendência reflexiva dos tempos incertos que vivemos. “Cada autor, a seu modo, nos convida a pensar. E é pensando que mudamos o mundo”, finaliza a comissão em seu detalhado parecer.
Confira a seguir as obras vendedoras e o parecer dos jurados!
PRÊMIO NACIONAL DE LITERATURA DOS CLUBES
POESIA, CRÔNICA E CONTO | 6ª EDIÇÃO | 2021
Obras vencedoras / poesia, crônica e conto
POESIA
Primeiro lugar | Magnos A. B. Castanheira | “Paisagem em desespero” | Clube Esperia (São Paulo – SP)
Segundo lugar | Maria Antonieta Fernandes de Souza | “Nu frontal” | Club Athletico Paulistano (São Paulo – SP)
Terceiro lugar | Álvaro Santi | “Preso / livre” | Grêmio Náutico União (Porto Alegre – RS)
Menções honrosas:
1– Ivani Soares | “Ressignificações” | Clube Recreativo Dores (Santa Maria – RS)
2– Luiz Carlos Ladeia | “Palavras sem nexo” | Clube Esportivo da Penha (São Paulo – SP)
3– Luiz Carlos de Moura Azevedo | “Quero pedras” | Sociedade Harmonia de Tênis (São Paulo – SP)
CRÔNICA
Primeiro lugar | Beatriz Varani Eleutério | “As histórias de cada um” | Círculo Militar de Campinas (SP)
Segundo lugar | Ricardo Lahud | “Espírito de sereia” | Club Athletico Paulistano (São Paulo – SP)
Terceiro lugar | Thamara Cristhine Santos de Assis | “Lições de elevador” | Clube Dom Pedro II (Conselheiro Lafaiete – MG)
Menções honrosas:
1– Eurico Cabral de Oliveira Filho | “Cavalo marinho” | Anhembi Tênis Clube (São Paulo – SP)
2– Carlos Augusto de Assis | “Começo” | Clube Esportivo Helvetia (São Paulo – SP)
3– Maria Fernanda Mendes Pereira | “O que a luz nos esconde na escuridão?” | Club Athletico Paulistano (São Paulo – SP)
CONTO
Primeiro lugar | Maria Helena Figueiredo Vieira | “O quarto de dentro” | Club Athletico Paulistano (São Paulo – SP)
Segundo lugar | Jeanette Rozsas | “Jane Austen, o vampiro e um caso de amor” | Club Athletico Paulistano (São Paulo – SP)
Terceiro lugar | Maria Célia Nunes Borges de Lima | “Amor proibido” | Minas Tênis Clube (Belo Horizonte – MG)
Menções honrosas:
1– Carla Figueiredo Vieira | “O grande abismo” | Club Athletico Paulistano (São Paulo – SP)
2– Jacqueline Harsche Rodrigues | “O que habita rachaduras” | Associação Desportiva Centro Olímpico (São Paulo – SP)
3– Danielle Martins Cardoso | “Abayomi” | Club Athletico Paulistano (São Paulo – SP)
Fonte: Site do  Sindi Clube (sindiclubesp.com.br) 

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Meu poema sobe ao palco em Pindamonhangaba

Na próxima quinta-feira, dia 25 de novembro (também conhecida como depois de amanhã), a partir das 19 horas, acontece o XV Festipoema. Promovido pela prefeitura e pela academia de letras da cidade paulista de Pindamonhangaba,  esse festival premia anualmente poemas inéditos (de todo o país) e declamadores locais, que sobem ao palco para defender os poemas selecionados. Nesta edição, tive a honra de ser um dos 15 poetas selecionados, e estarei representando o Rio Grande do Sul.

"Estarei", claro, é modo de dizer. Meu poema "Preso-Livre" é que vai estar sendo declamado por lá. Resultado de um desafio proposto pela Fundação Iberê Camargo, em torno da situação de isolamento social, foi escrito em junho do ano passado.

O XV Festipoema terá transmissão ao vivo pelo canal da Prefeitura de Pindamonhangaba no Youtube. Mas os leitores do blog podem ler aqui o poema, em primeiríssima mão. 

Preso - Livre 

Preso e protegido
(por enquanto, ao menos)
nesse apartamento:
pássaro cativo,
morrendo de medo
de sair do ninho.

Preso ao seu emprego,
dentro de uma cela
ou num casamento.
Preso na miséria.

Preso a pensamentos
que nunca dão trégua;
preso (não tem jeito) 
à ilusão das telas.

Preso às consequências
de suas escolhas;
por grave delito;
a um amor antigo.

Preso à Natureza,
ao pecado, ao vício,
a um corpo finito,
a uma vida pouca.

* * *

E livre, apesar de
todos os entraves:
alma impenetrável
àqueles olhares
prontos a julgarem
o que não lhes cabe.

Espírito livre,
não enxerga o mal,
aberto aos convites
que a vida lhe faz.
 
Livre qual o cometa,
no espaço infinito,
zomba dos planetas,
em seus rumos fixos.

Livre, de repente,
qual lagarta presa
em roupão de seda,
pendente de um fio,
que, sem prévio aviso,
numa tarde quente,
vira borboleta
e ganha o vazio.